O uso abusivo de drogas é um dos principais problemas de saúde pública em todo o mundo. Estima-se que 185 milhões de pessoas acima de quinze anos já consumiram drogas ilícitas, ou seja, 4,75% da população mundial1. O Brasil está dentro da perigosa média mundial em relação ao número de usuários de drogas ilícitas. Cerca de 10% da população dos centros urbanos de todo o mundo consomem abusivamente substâncias psicoativas, independente da idade, sexo, nível de instrução e poder aquisitivo, cenário que encontra equivalência no Brasil.
O problema com uso de drogas é fruto de um contexto socioeconômico, político e cultural que vem interferindo na escolha do sujeito, portanto deve ser compreendido como um problema multidimensional e global, não se restringindo à relação entre o indivíduo e o consumo de substâncias psicoativas.
Considerando que múltiplas dimensões da vida do indivíduo são afetadas em função do uso/abuso de drogas (relacionamento familiar, convívio social, trabalho e saúde), e a abrangência do tipo de drogas que pode ser utilizada e seus efeitos adversos, entende-se que as demandas por serviços de saúde pública são também diversificadas e abrangentes.
O tratamento dos dependentes de substâncias psicoativas tem sido tema de debate constante tanto no meio científico como a nível da comunidade em geral. Diversos modelos de abordagem do problema vem sendo discutidos, onde prevalecem mais polêmicas do que posições consensuais.
Modo de atuação do enfermeiro junto a usuários de drogas
De um modo geral, as ações de enfermagem desenvolvidas junto a usuários de drogas caracterizam-se pela recepção e identificação da clientela, desenvolvimento de ações educativas, busca de alianças junto à comunidade, orientam e direcionam o usuário para o tratamento.
Além da individualização da abordagem, o tratamento deve ser instituído de forma global, incluindo as dimensões médica, psicoterápica e social.
O estabelecimento de um programa terapêutico baseia-se na avaliação individual de cada caso, que deve incluir os seguintes questionamentos:
Existe a possibilidade de se caracterizar o diagnóstico de abuso/dependência ou trata-se apenas de uso ocasional ou recreativo de drogas?
Configurando-se uma dependência, de que drogas o indivíduo é dependente e qual a severidade da mesma?
Existem diagnósticos psiquiátricos associados?
É possível caracterizar-se um distúrbio de personalidade?
Como é a dinâmica da família deste indivíduo?
Há indícios de desadaptação social, comprometimento das relações interpessoais ou prejuízo do desempenho profissional?
Além das entrevistas de anamnese, exame físico e exame psíquico, podem se fazer necessárias avaliações específicas de cada caso através de questionários, testes psicológicos e exames laboratoriais. A partir de um estudo aprofundado do indivíduo, torna-se possível a elaboração de um programa terapêutico específico, cujas estratégias devem preferencialmente ser discutidas em conjunto com o paciente.
Convém ressaltar que a possibilidade de sucesso de uma intervenção é maior quando o paciente procura tratamento voluntariamente e quando participa ativamente do estabelecimento de seu projeto terapêutico.
No atendimento de dependentes podemos caracterizar duas etapas principais:
· Desintoxicação, objetivando a retirada da substância;
· Manutenção, objetivando a reorganização da vida do indivíduo sem o uso prejudicial da substância.
Intervenções terapêuticas mais utilizadas no tratamento das drogas:
Desintoxicação: compreende procedimentos dirigidos à retirada da droga. Na grande maioria dos casos deve ser realizada ambulatorialmente, não sendo necessária a hospitalização. Compreende a administração de medicamentos com o objetivo de minimizar sintomas decorrentes da retirada da droga (ansiedade, depressão, "fissura", etc.).Ressaltamos que não devem ser utilizadas medicações que potencialmente possam acarretar dependência (benzodiazepínicos, por exemplo). Esta etapa do tratamento raramente requer mais de uma semana para se efetivar. As características e a intensidade do sofrimento físico e psíquico decorrentes da suspensão da droga dependem do tipo de substância utilizada e do padrão de consumo da mesma. O apoio psicoterápico é de extrema valia já nesta fase inicial do tratamento.
Farmacoterapia: A farmacoterapia dos pacientes engloba o tratamento medicamentoso não somente dos quadros de dependência/abstinência especificamente, como também dos eventuais distúrbios psiquiátricos associados.
Psicoterapia individual: A psicoterapia individual é indicada na abordagem psicodinâmica dos casos mais complexos e em situações que se mostrem de alguma forma inadequadas para um trabalho em grupo. Esta modalidade de atendimento deve ser desenvolvida por psicólogos ou psiquiatras com formação psicodinâmica.
Psicoterapia de grupo: A psicoterapia de grupo constitui recurso terapêutico privilegiado na medida em que oferece ao dependente uma diversificação de contatos interpessoais que possibilita o encontro com interlocutores que partilham das mesmas expectativas,angústias, conquistas e frustrações. O grupo funciona como matriz de novos modelos identificatórios, proporcionando a seus integrantes novos vínculos e diferentes vetores de relacionamento.
Atendimento familiar: O atendimento familiar está indicado quando a família ou o cônjuge aparecem como elemento significativo na história do uso de drogas, seja como fator patogênico, seja como recurso de cura. Quando a família é vista como recurso de cura, o atendimento, em geral breve, limita-se a um reconhecimento mútuo das duas partes que compõem o mesmo sistema terapêutico: os familiares e a instituição.
A experiência dos últimos anos tem confirmado a terapia familiar como instrumento complementar e, por vezes, substituto da terapia individual, especialmente eficaz em casos de adolescentes.
Terapia ocupacional: A terapia ocupacional possibilita o desenvolvimento de canais de expressão e comunicação não verbais, constituindo valioso recurso terapêutico complementar.
Terapias comportamentais: Constituem técnicas terapêuticas dirigidas à modificação de determinados padrões de comportamento indesejáveis. Tem se mostrando satisfatoriamente eficazes em alguns tipos de dependentes. Entretanto, freqüentemente têm sido utilizadas inadequadamente como estratégia terapêutica isolada, com o risco de conduzirem apenas a um deslocamento de sintoma, sem a necessária abordagem do indivíduo na sua totalidade. No Brasil, existem várias instituições de caráter religioso atuando na recuperação de drogados. A Fazenda Bom Jesus, em Campinas (São Paulo) é uma das pioneiras. O modelo de trabalho lá adotado difundiu-se para outros centros de recuperação do País. A entidade, apesar de ter fundamentação religiosa, conta com os serviços de uma equipe multiprofissional. As “práticas de desintoxicação pela religião”, são uma variação do modelo comportamental, essas práticas tem origem nos Estados Unidos, sendo realizadas por grupos, em sua maioria, protestantes.
Grupos comunitários de ajuda mútua: São grupos constituídos por indivíduos que já apresentaram o problema e que supostamente o tenham superado. É recomendável que sejam apoiados por profissionais de ajuda familiarizados com a complexidade do assunto.
CONCLUSÃO
Ressaltamos que as propostas e modelos de tratamento para farmacodependentes, em geral, são procedimentos ecléticos de ações médicas, psicológicas, sociais e religiosas. É pouco comum encontrarmos modelos puros. Nas últimas décadas, instalou-se várias abordagens, para se obter a abstinência de drogas. Este era o objetivo maior dos chamados tratamentos. A meta da abstinência, como um fim, foi a justificativa para a adoção dos meios mais variados, tais como: desintoxicação, com ou sem manutenção farmacológica; psicoterapia, catequização religiosa; intimidação policial; agressões físicas; laborterapia; internação psiquiátrica; clínicas especializadas; programas de narcóticos anônimos (NA); programas residenciais dirigidos por ex-dependentes; ambulatórios com equipe multiprofissional e enfoque interdisciplinar. Dessa maneira, poderemos contribuir para amenizar o conturbado quadro de preconceitos, estigmas e acusações que envolvem aspectos familiares e sociais relacionados ao uso de drogas.
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